terça-feira, 16 de outubro de 2007

Blog do Rafa entrevista a rainha do Nação Fortaleza

Débora Sá durante apresentação do Maracatu Az de Ouro na FAC

Débora Sá
Desde aos 6 anos desfilando em grupos de Maracatu, Débora Sá, 26, há três anos ocupa o posto de rainha do grupo Maracatu Nação Fortaleza.

Nascida no Rio de Janeiro e criada em Fortaleza a estudante de jornalismo das Faculdades Cearenses (FAC), credencia a sua mãe a paixão que nutre por essa vertente da cultura nordestina.

A "maracatuzeira” fala de seu contato com o maracatu, de sua banda Vigna Vulgaris, de seu ídolo Mestre Juca do Balaio, sua opinião sobre investimentos na cultura popular cearense, além de outros assuntos em uma entrevista especial para o Jornal Brincantes.


JB - Como foi seu primeiro contato com o Maracatu? Sua família também faz parte?

Débora - Meu primeiro contato com o Maracatu foi aos 6 anos de idade. Logo quando cheguei do Rj. Devo essa paixão ao Maracatu à minha mãe que, mesmo sem nunca ter brincado, me levou à sede do maracatu Az de Ouro, pra conhecer uma das mais significativa cultura do Ceará. Foi amor à primeira vista. Logo quis sair no carnaval. Algumas pessoas da minha família já faziam parte. Aos 6 anos brinquei o meu primeiro carnaval com o Maracatu, os desfiles ainda aconteciam na Av. Duque de Caxias. Brinquei de Dama da Rainha a mando de Mestre Juca do Balaio, meu grande mestre.

JB - Com relação ao Mestre Juca do Balaio ele te influenciou pelo visto?

Débora - Claro. Ele foi e sempre será o meu mestre. Os primeiros anos de carnaval nem pintar o rosto eu pintava, porque ele não deixava, dizia que podia ferir minha pele.
Mestre Juca é um exemplo de humildade, integridade. E, principalmente, de força de vontade, porque fazer maracatu no Ceará é sinônimo de resistência.

JB - Quando está desfilando o que você sente?

Débora - Uma emoção indescritível, parece que não sou que estou ali. Eu posso está chateada, desanimada, mas quando começa o ritual de preparação, que é se arrumar, colocar armação, vestido, luvas, anéis, coroa e ao pintar o rosto, simbolizando a negritude , é sorriso de orelha a orelha. A palavra é emoção. Neste momento a rainha desce e aí já não é mais comigo. É a responsabilidade da preservação da cultura popular.

JB - Há quanto tempo está na Nação Fortaleza?

Débora - Desde que foi criado, é um maracatu novo. Estou há 3 anos.

JB - Quanto tempo passou no Maracatu Az de Ouro? Também foi rainha no grupo?

Débora - Passei 12 anos no Az de Ouro que, sem sombra de dúvidas, foi minha escola. Lá que eu aprendi a dar valor ao que é nosso. Não fui rainha oficial, porque lá ainda tinha a tradição da rainha ter que ser homem. Então eu era rainha nas apresentações. Mas, no carnaval, era um homem que se apresentava.

JB - Poderia falar um pouco sobre sua banda Vigna Vulgaris.

Débora - Maracatu Vigna Vulgaris. Vigna unguiculata é nome científico do feijão de corda. E Faseolus vulgaris é o nome científico do feijão mulatinho. Então é o universal com o regional. Fazemos misturas com o universal, que é rock, blues, jazz, samba com o nosso regional que é maracatu, coco, baião, inovando sem esquecer do tradicional.

JB - Você escreve ou canta também algumas músicas na sua banda?

Débora - Faço backing vocal, toco instrumentos de percussão de esfeito (caxixi, triângulo, oandeiro) e faço um personagem que é a calunga, uma figura muito importante no maracatu

JB - Há quanto tempo canta?

Débora – Oficialmente está com pouco tempo, mais ou menos 1 ano.

JB - Como é a escolha da Rainha do grupo?

Débora - Agora o Az de Ouro tem uma mulher como rainha. Tem que ter uma história dentro do maracatu. Ser alta, ter corpo pra agüentar os pesos das fantasias, interação com o público, simpatia e, principalmente, consciência do papel que está representando. Não existem esses concursos de rainha de maracatu. O máximo que acontece são coroações das rainhas. Uma forma simbólica de relembrar as coroações de reis do congo.

JB - Poderia me dizer como são os ensaios?

Débora - Os ensaios são próximos do carnaval. Nos reunimos mais ou menos dois meses antes. Próximo ao carnaval as sedes ficam muito agitadas, porque as atividades são coletivas, os brincantes bordam, confeccionam instrumentos, suas próprias fantasias.

JB - Você como Rainha do Maracatu Nação Fortaleza recebe algum cachê por isso ou é uma participação voluntária de sua parte?

Débora - O brincante que quer fazer parte do maracatu não paga nada. Nós só queremos compromisso.

JB - Como você vê o progresso da cultura do maracatu no Estado?

Débora - Melhorou bastante porque, graças a Deus, existem pessoas interessadas na cultura popular, como é o caso do grande cantor, compositor e pesquisador, Calé Alencar. Ele deu uma enorme contribuição para esse avanço aqui no Ceará. Mas, infelizmente, ainda não está como a gente quer, ou como a gente tem direito.

JB - O governo na sua opinião incentiva de modo adequado a cultura do maracatu?

Débora - Não há projetos de iniciativa. O governo trata desse assunto com desprezo. E quando faz alguma coisa, acha que foi um favor.

JB - E como futura jornalista você acha que a mídia está dando um incentivo para disseminar a cultura popular do maracatu entre a massa?

Débora - Não. Porque você sabe que a mídia é cheia de interesses. Qual é o interesse de divulgar o maracatu se tem o forró? Já pronto, com muito dinheiro... não desvalorizando o forró. Mas a forma como hoje ele é abordado... O povo parece que não quer pensar, não quer saber de onde vem, do processo de formação da identidade cultural. Aceitam tudo que é submetido. Como dizem, o maracatu é coisa de pobre, e quem é que quer mostrar coisa de pobre e negro na televisão?

JB - Você já levou os colegas da FAC para assistirem uma apresentação do seu grupo de Maracatu? Se sim como foi a reação?

Débora - Ainda não. Entrei agora no curso e ainda não teve apresentação. Mais é só ter uma oportunidade que com certeza os levarei. Tem muita gente que não sabe nem o que é maracatu.

JB - Possuiu algum projeto com relação ao maracatu que gostaria de realizar?

Débora - Nós (Nação Fortaleza) já realizamos um projeto. O nosso trabalho é voltado para crianças e adolescentes. Queremos conscientizar as crianças desde cedo sobre a cultura que ela tem para saber valorizar. São crianças do Jardim América, Parque Araxá e Pici.

JB - Para encerrar poderia dar um conselho para quem quer participar de algum grupo de maracatu?

Débora - O maracatu é uma dança de origem africana e hoje faz parte da nossa cultura, querendo ou não é nosso, está na raiz. É tão mais gratificante conhecermos a nossa cultura, nossa identidade, valorizar o que é nosso. Os axés já têm o seu lugar, o que precisa ser lembrado e cultivado é o maracatu, essa dança de negros, os negros que construíram o nosso país e contribuíram para nossa identidade.
Temos muitos maracatus e quem quiser conhecê-los serão bem vindos.
A nossa sede fica na rua Fiúza de Pontes, 418 Aldeota. E saudações aos futuros "maracatuzeiros".

Nenhum comentário: